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Após muitos anos  atuando como advogado interno de construtora e incorporadora, pude perceber que nem sempre as mesmas possuem razão ou agem da forma correta. Depois de muito tempo preferi mudar o caminho e passei a defender o lado mais fraco, ou seja, os direitos dos mutuários e compradores. Nesse artigo, tentarei esclarecer alguns pontos e possibilidades sobre o reembolso/restituição das parcelas pagas, que você pode reaver, caso não tenha recebido as chaves e possua interesse em  rescindir o contrato,  evitando que seu nome seja negativado nos órgãos de proteção ao crédito, como SERASA por exemplo, ou “limpar” o seu nome, caso já tenha havido a negativação.


Como o número de pessoas que processam  é  significativamente bem menor em relação aquelas que pagam valores indevidos ou aceitam receber quantia irrisória, sem buscarem seus direitos, e não processam, para algumas construtoras vale a pena  manter essa prática “ilegal”.  Pois ao final, subtraindo  aquelas  pessoas que não processaram e aquelas que processaram,  o lucro da construtora é bem interessante. A conta é simples, a quantia  indevida que eles receberam das pessoas que não processaram, pagam todos os custos dos processos perdidos e  ainda sobra. Se todos decidissem processar, com certeza essa prática não existiria mais, ou diminuiria consideravelmente!


Você  está no grupo das pessoas que  deixam “para lá”, ou está no grupo de pessoas que  deram duro para ganhar seu suado dinheiro e brigam por seus direitos ?  Se você briga por seu direito, esse texto é para você,  e espero que essa leitura te ajude.


Várias construtoras cobram  indevidamente a taxa SATI e corretagem, ou não se propõem a devolver o valor já pago (correto ou justo)  para o comprador no caso de rescisão ou resilição do contrato, seja pelo motivo do adquirente  não possuir mais interesse na manutenção da compra ou  até mesmo por falta de condição financeira. Alguns dos meus clientes, por exemplo, terminaram um relacionamento e não querem mais continuar pagando o imóvel que é grande para uma única pessoa, ou até mesmo não possuem mais interesse na compra. Mas, a maioria das pessoas que me procuram,  perderam o emprego, ou a renda familiar diminuiu por alguma razão ou morte na família, e já não possuem condição de continuar pagando.  Independente do caso que se encontre, o direito de reembolso é exatamente o mesmo. Nada muda de um caso para o outro.


No momento, se você já recebeu suas chaves,  ou deseja saber sobre taxa SATI e corretagem, me comprometo a escrever outro artigo  sobre esses temas no futuro. No momento, apenas adentrarei  no tema sobre a devolução de valores  PAGOS em caso de arrependimento  da compra  de imóvel na planta ou falta de condição de continuar pagando o contrato,  e AINDA NÃO RECEBERAM AS CHAVES.


Vários clientes que chegam em nosso escritório relatam que não possuem mais condição de continuar pagando e procuraram a construtora para que devolvam/ restituam os valores pagos.  Para surpresa desses clientes, o valor que as construtoras/incorporadoras  se propõe a devolver chega a ser ofensivo, apenas 10% a 30% de todo o valor pago.


No meu caso mais recente, a título de exemplo,  somando todas as parcelas pagas,  meu cliente  desembolsou quase R$150.000,00 ( cento e cinquenta mil reais). Ocorre que, depois de ter terminado um noivado, não consegue mais continuar pagando, já que a noiva que o ajudava com metade da parcela mensal não mais irá ajudar.  Quando o mesmo procurou a construtora informando que não tinha mais interesse no contrato e queria o reembolso dos valores pagos, recebeu a informação  que a empresa apenas devolveria 10% do valor, ou seja, R$15.000(Quinze mil reais) e ainda poderia abater algumas despesas com os custos que ela teria para vender novamente para outro comprador, podendo  inclusive, não ter valor algum para devolver, o que é inadmissível!!!


Questiona-se:  É justo, nesse caso real,  uma pessoa ter pago cento e cinquenta mil,  não desejar mais o imóvel, rescindir o contrato, e a construtora ficar com cento e trinta e cinco mil reais, por um apartamento  que depois da rescisão do contrato vai ser vendido para outro comprador? Ou seja, lucrar duas vezes com o mesmo imóvel que não foi usado?  Claro que não pode,  e não é justo aos olhos da lei, conforme decidiram  a grande maioria dos juízes nos processos que acompanhamos.


Ter a integralidade de todo o valor pago devolvido/ reembolsado  realmente é pouco provável, caso a iniciativa da rescisão veio da sua parte. Você não pode se iludir que receberá  a devolução de 100% de todos os valores pagos em seu processo, pois a construtora  provará que realmente existiram custos com divulgação  e funcionários para venda do empreendimento.  Você apenas terá direito a receber 100% dos valores pagos se comprovar que a culpa da rescisão contratual foi da construtora, como por exemplo, atraso na entrega da obra, ou o imóvel é diferente daquele que comprou. Nesse caso, você pode brigar pela devolução integral dos valores por culpa da construtora e mais uma indenização por danos materiais e morais.


Mesmo havendo previsão contratual de que a construtora apenas devolverá  valores entre 10% a 30% , a grande maioria das decisões judiciais que debatem sobre a rescisão por vontade do comprador, sem culpa da empresa, ordenam  que as construtoras devolvam NO MÍNIMO 70% (setenta por cento) e no máximo 95% (noventa e cinco por cento) de todos os valores pagos,  incluindo a taxa SATI e corretagem, pois a construtora não terá nenhum prejuízo, já que venderá para outros compradores o imóvel que lhe pertencia, e você sequer recebeu as chaves.


Essas sentenças judiciais reconhecem que a cláusula contratual que prevê a devolução de valores irrisórios   é abusiva, e que o comprador não tinha a opção de mudar o contrato na hora da compra, pois caso desejasse mudar, não venderiam para ele, por trata-se de contrato de adesão, ou seja, você aceita tudo e assina, ou não concorda e não há venda, o que abre a possibilidade de discussão judicial.


Usando o mesmo exemplo, que a construtora queria devolver apenas quinze mil reais para uma pessoa que pagou quase cento e cinquenta mil reais, CONSEGUIMOS UMA LIMINAR QUE PROIBIU A CONSTRUTORA DE NEGATIVAR O NOME DO CLIENTE, E MAIS, O MESMO NÃO PRECISA CONTINUAR PAGANDO AS PARCELAS MENSAIS QUE SE VENCEREM DURANTE A AÇÃO. O que se torna muito interessante, pois não adianta deixar de pagar o contrato e ter o nome negativado.


Mesmo sem ser uma surpresa para mim, nesse mesmo caso, já na primeira audiência, a construtora ofereceu R$100.000,00 ( cem mil reais) a vista .  Ou seja, quatro meses antes do processo a construtora se propôs a devolver apenas quinze mil reais,  mas depois que foram intimados,  sabendo da grande possibilidade de perderem a ação,  já ofereceram na primeira audiência R$85.000,00 (Oitenta e cinco mil reais) a mais do que a primeira proposta.  Ou seja, 66% de todo o valor pago por ele, o que para nós ainda é pouco e nos levou a não aceitar. Percebem? De 15% subiram para 66% apenas por existir a ação judicial.


Em que pese o debate não seja sobre SATI ou corretagem,  uma vez que esses compradores podem processar a construtora para se reembolsarem de tais taxas cobradas indevidamente e ainda podem continuar pagando o imóvel sem rescindir o contrato, no nosso caso, que é de rescisão total do contrato,  as construtoras ainda tentam fazer todo o cálculo de devolução dos valores pagos, abatendo tais taxas, alegando que ela não recebeu tais valores. Ou seja, o valor que elas se propões a fazer, matematicamente,  é menor que 10% a 30%, pois primeiro elas abaterão os valores pagos a título de taxa SATI e corretagem , e do resultado aplicam o percentual que desejam devolver.


A grande maioria das decisões que declaram a abusividade dessa cláusula no contrato e preveem  a devolução de valores,  que repito,  geralmente fica entre 70% a 95%,  recai  sobre TODOS os valores pagos,  ou seja,  obrigando que a construtora retenha  o percentual somente  de 5% a 30%  de tudo o que o cliente desembolsou, seja a que título for ou para quem tenham destinado tais valores. Não importa se parte do valor pago foi repassado para o corretor ou para construtora, o valor a ser devolvido tem que ser calculado sobre tudo o que foi pago.

Outro caso que atuamos, o cliente comprou um imóvel de quase um milhão de reais e quando nos procurou já havia pago quase R$280.000 ( Duzentos e oitenta mil reais).  A construtora  ofereceu apenas 25%  de devolução, e mesmo assim,  somente após abater as taxas SATI e corretagem. O cliente não aceitou, nos procurou, ingressamos com o processo, conseguimos uma liminar proibindo a construtora de cobrar o cliente enquanto existisse o processo ou de negativar o mesmo no SERASA.  Ao final do processo  a construtora foi condenada a devolver 75% de todos os valores pagos, com juros e correção monetária . O Valor que ele está recebendo, atualizado,  superou R$400.000 ( Quatrocentos mil reais)  com a atualização dos valores. O que para ele valeu muito a pena, pois mesmo recebendo 75% do que pagou, durante todo o processo, o valor foi corrigido e  atualizado com juros, superando  o valor pago. O valor dos juros que o juiz ordenou,  foi de 1% , o que de fato é mais que o dobro do que se paga em poupança, caso esse valor tivesse depositado em uma conta.
Para melhor compreensão, transcrevo abaixo o trecho da sentença favorável ao nosso cliente:


“Forte nestas razões, cf art. 269, incisos I e II, do CPC, RESOLVO O CONTRATO de compromisso de venda e compra de unidade imobiliária, apartamento 261, Bloco B4, objeto da escritura pública de compra e venda lavrada nas notas do Nono Tabelionato da Capital, sob no xxxx, pág. xxx, B.L., entre as partes acima referidas, CONDENANDO a ré a RESTITUIR aos autores 75% (setenta e cinco por cento) do total pago pelos autores em razão do contrato referido, permitindo da dedução pela ré, apenas de 25% (vinte e cinco por cento) dos valores pagos, a título de compensação em favor da ré. Os valores a restituir aos autores devem ser atualizados monetariamente desde o desembolso de cada quantia que compõe o montante, com juros de 1% (um por cento) a partir da citação (art. 405, Código Civil)”


Concluindo, se você comprou imóvel e não conseguiu continuar pagando, seja por qual motivo for, ou até mesmo arrependeu-se e não o deseja mais, caso não tenham recebido as chaves, você pode pedir a devolução / reembolso / restituição de todos os valore pagos, caso a construtora / incorporadora não lhe proponha um valor justo e correto.  Lembre-se, ela irá vender um imóvel que você sequer usou para um terceiro e não terá nenhum prejuízo.


Importante  mencionar que tal processo não pode ser proposto por qualquer advogado, procure um especializado em direito imobiliário, pois ele precisa saber quais leis e argumentos devem usar.  Arriscar-se nesse empreitada sem um advogado com experiência  pode por a perder um direito bem provável, já que o profissional não terá o conhecimento prático e legal para contrapor a argumentação da construtora, que será certamente bem embasada e em tese fundamentada.


Qualquer dúvida me coloco a disposição
Dr. Thiago de Freitas Lins é  advogado do escritório Freitas Lins advogados

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Autor

Advogado do escritório Freitas Lins Advogados, com mais de 15 anos de experiência.

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